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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

DIREITO TRIBUTÁRIO

INTRODUÇÃO
O dia-a-dia das pessoas é regulamentado por normas e princípios advindos da Constituição Federal, que define a organização administrativa financeira e política do Estado concomitantemente com os direitos e deveres do cidadão. Ela tem entre as suas características a generalidade, ou seja, ela é aplicada genericamente a sociedade e a todos os cidadãos e a ninguém é dado o direito de desconhecê-la como também de desobedecê-la, para que não sofra sanções, pelo descumprimento das obrigações das normas.
Neste trabalho, relata-se a pesquisa sobre "O Direito Tributário", seus objeto, fontes e interpretação, para uma melhor compreensão do que determina a nossa Carta Magna e o Código Nacional de Tributos.
O tema apesar de específico, exige seriedade no seu cumprimento, para não sofrer sanções advindas do seu descumprimento, a partir do pressuposto de que a ninguém é dado o direito de não conhecê-la como um todo, por ser uma diretriz básica para a manutenção do Estado, tendo o cidadão como gerador da funcionalidade desse Estado, pois a sua principal fonte é a receita tributária.
O déficit público é um problema crônico e irreversível, pois, não há vontade política dos governantes para a sua solução, atacando as causas, resolvendo o problema com a criação de tributos, por ser uma solução mais tangível e de solução imediata, por não aumentar o déficit do Estado, porque, outra solução poderia ser o endividamento, transferindo o problema para o futuro.

DIREITO TRIBUTÁRIO
1 - DEFINIÇÃO
CONSTITUIÇÃO – é considerada a Lei máxima e fundamental do Estado. Ocupa o ponto mais alto da hierarquia das Normas Jurídicas. Por isso recebe nomes enaltecedores que indicam essa posição de ápice na pirâmide de Normas:Lei Suprema, Lei Maior, Carta Magna, Lei das Leis ou Lei Fundamental.
DIREITO – é uma palavra ambígua, tendo emprego metafórico. Uma de suas etimologias mais prováveis a dá como derivada de directus, do verbodirigere, que quer dizer endireitar, alinhar, dirigir, ordenar, mas a idéia que se quer com ela exprimir é a de algo que está conforme a regra, a lei. O poder legal que o agente ou órgão administrativo tem de praticar determinados atos; norma jurídica reguladora da conduta social do homem, direito objetivo ou lei no amplo sentido; conjunto de normas jurídicas acerca de um ramo da ciência jurídica ou de um dos seus institutos, ou ainda sistemas de normas jurídicas vigente num determinado país; a faculdade ou prerrogativa, reconhecida pela lei às pessoas em suas relações recíprocas, ou poder que todo indivíduo tem de praticar, ou não, certo ato. É o elemento necessário à vida em comum. É uma condição sine qua non da coexistência humana. É a ciência normativa da conduta externa. É o conjunto ou complexo de normas, princípios e instituições oriundas do Estado com o objetivo de regular, disciplinar a vida em sociedade, e assim, manter o equilíbrio social. Para Kelsen é um sistema de normas reguladoras do comportamento humano, de enunciados de variada forma, em que se manifesta através de leis, sentenças judiciais e atos jurídicos dos indivíduos.

DIREITO NATURAL – é o conjunto de princípios universais, imutáveis, superiores ou normas jurídicas; inerentes a própria condição humana; anterior ao homem e situa-se acima dele; é eterno; não é racional; é fundamento do Direito Positivo.

DIREITO POSITIVO – é criação humana; é o conjunto de normas reconhecidas e aplicadas pelo poder público cujo objetivo é regular a convivência social humana; é racional; é formalizado através do processo legislativo respectivo; tem como função proteger o Direito Natural; é dividido em Público e Privado.
O Direito positivo divide-se em vários ramos: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro e seu sub-ramo, o Direito Tributário; Direito Penal; Direito Processual; Direito Internacional Público; Direito Internacional Privado; Direito Civil; Direito Comercial; Direito do Trabalho; Direito Agrário; Direito Aeronáutico; Direito Canônico; Direito Previdenciário e outros que estão a se formar.

DIREITO PRIVADO – é o conjunto de regras jurídicas que regem as relações dos indivíduos entre si ou pessoas jurídicas de Direito Público, quando agem como particulares; inclui: direito civil, comercial, internacional privado.

DIREITO PÚBLICO – é o conjunto de regras jurídicas relativas à atividade financeira das entidades públicas.

TRIBUTO – é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não se constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
IMPOSTO - é classificado como um tributo não vinculado, por possuir uma hipótese de incidência cuja materialidade independe de qualquer atividade estatal (art. 160 do CTN).

TAXA – é um tributo vinculado diretamente, por possuir a sua hipótese de incidência consistente numa ação estatal diretamente referida ao contribuinte (art. 77 do CTN). Está relacionada a prestação de serviço público ou exercício do poder de polícia, que beneficia o próprio contribuinte e a sua cobrança aparece como uma contraprestação, apesar de serem juridicamente denominados de taxas, podem receber outras denominações como: tarifas, contas, preços públicos ou passagens.

CONTRIBUIÇÃO POR MELHORIA – é um tributo vinculado indiretamente, por possuir uma hipótese de incidência consistente numa atuação estatal indiretamente referida ao contribuinte (art. 81 do CTN). Está relacionada a realização de obras públicas, que traz benefício para o público em geral e não apenas o contribuinte dessa contribuição.

DIREITO FINANCEIRO – é um conjunto de regras jurídicas que disciplinam a atividade dos órgãos do Poder Judiciário e das pessoas que com eles entram em contato ou que lhes prestam colaboração. É a atividade estatal destinada a conseguir meios para acudir às necessidades públicas, ou seja, são os meios para o Estado desempenhar as suas atividades fim

DIREITO TRIBUTÁRIO ou FISCAL – é o conjunto das leis reguladoras da arrecadação dos tributos (taxas, impostos e contribuição de melhoria), bem como de sua fiscalização. Regula as relações jurídicas estabelecidas entre o Estado e contribuinte no que se refere à arrecadação dos tributos.
Cuida dos princípios e normas relativas à imposição e a arrecadação dos tributos, analisando a relação jurídica (tributária), em que são partes os entes públicos e os contribuintes, e o fato jurídico (gerador) dos tributos. O objeto é a obrigação tributária, que pode consistir numa obrigação de dar (levar o dinheiro aos cofres públicos) ou uma obrigação de fazer ou não fazer (emitir notas fiscais, etc.)
O Direito Tributário é uma barreira contra o arbítrio, que poderia ser demandado pelos governantes, na ânsia de querer usurpar toda e qualquer riqueza proveniente do indivíduo e/ou da sociedade de forma ditatorial, vingativa, sem critérios, pois, apenas através da lei e de nenhuma outra fonte formal é que se pode criar ou aumentar impostos de forma racional, porque o Estado tem a obrigação de prever os seus gastos e a forma de financiá-los.
Devido a sua intensa atividade financeira envolvendo despesas e a sua contrapartida receitas, a conservação dos bens públicos, o patrimônio, o controle monetário, o orçamento público, demandam a necessidade de arrecadação de tributos, para garantir o seu meio de subsistência, para dirigir a economia e direcioná-la para o bem estar social.
O Estado, assim como qualquer indivíduo, necessita de meios econômicos para satisfazer as suas atividades, sendo que o indivíduo, de modo geral, tem entre as suas fontes de arrecadação de recursos, a venda da sua mão-de-obra, enquanto que o Estado para o cumprimento das suas obrigações, a obtém através da tributação do patrimônio dos particulares, sem contudo efetuar uma contraprestação equivalente ao montante arrecadado.
A Constituição Federal trata da questão tributária de forma genérica e a sua forma mais abrangente encontra-se na lei complementar, conhecida como Código Tributário Nacional. O sistema constitucional tributário está contido no Título VI, "da tributação e do orçamento", abrangido pelos artigos 145 a 169.
O Direito Tributário tem um relacionamento muito forte com o Direito Constitucional, principalmente no que tange aos direitos individuais.

2 – TRIBUTAÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS
Todo o direito tributário brasileiro está embasado no poder imperial do Estado, distribuído entre as pessoas jurídicas do direito público como a União, os Estados membros, os Municípios e o Distrito Federal, todos autônomos, submetidos às regras constitucionais, onde compete o poder para cobrar e exigir tributos, tendo como contrapartida as pessoas físicas e jurídicas, com o dever de pagar os tributos, de forma que não contrarie os direitos e garantias individuais, que tem aplicação imediata e se sobrepõem sobre os demais direitos.
Em matéria de tributação o Estado exige como obrigação principal dos indivíduos o pagamento de forma inconteste do que lhe é devido, apesar de não ter o retorno em forma de melhoria da qualidade de vida equivalente ao tributo pago.

3 - PRINCÍPIOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio fundamental do sistema tributário é a legalidade, pois, não há tributo que não seja preconizado pela lei formal e material, que descreva a hipótese da incidência, a base de cálculo etc., com a identificação do sujeito ativo e passivo. A legalidade desse princípio encontra-se descrito no artigo 150, parágrafo I, que diz o seguinte: "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça".

PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE E DA ANTERIORIDADE DA LEI
O princípio da irretroatividade não permite que a criação de tributos seja retroativa a data da promulgação ou então, no mesmo exercício financeiro da publicação da lei, por ferir um princípio do direito adquirido, entretanto, se for para beneficiar os indivíduos, sua aplicação pode retroagir, desde que não fira os direitos de terceiro.

PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU DA ISONOMIA
É o princípio basilar, pois, os tributos criados são pagos por todos de forma uniforme e proporcional a riqueza gerada decorrente de rendimentos, patrimônio e atividades econômicas do contribuinte, isentando-se apenas os contribuintes que não possuem rendimento suficiente para o seu sustento, capacidade econômica ou impossibilidade de pagamento, evitando o tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente.

PRINCÍPIO DO DIREITO À PROTEÇÃO JURISDICIONAL
É o direito dado aos indivíduos de buscar o Poder Judiciário, quando houver a criação de algum tributo que contrarie algum fundamento constitucional, ou então, ache o tributo indevido, ilegal ou arbitrário. Também é consagrado o direito de ampla defesa, para comprovar as licitudes dos atos tributários.

PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO
São os enquadramentos e a tipificação dos crimes relativos ao Direito Tributário, como a sonegação fiscal, apropriação indébita de tributos etc., a pessoalidade da pena e seus desdobramentos como: a perda dos bens, multa, privação ou restrição da liberdade, suspensão ou interdição de direitos etc.

PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE
Proibição da cobrança de tributos com distinção ou preferência em favor de qualquer pessoa jurídica de direito público, como também em razão da sua procedência ou destino.

4 - COMPETÊNCIA DOS IMPOSTOS
UNIÃO
Encontra-se delegada para a União a competência de criação e alteração destacada do seguinte: Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Há também os impostos sobre exportação e importação; sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; propriedade territorial rural; grandes fortunas, sobre ouro, empréstimos compulsórios e contribuições sociais, imposto extraordinário de guerra e de calamidade pública.

ESTADOS E DISTRITO FEDERAL
Foram delegados os seguintes impostos: transmissão "causa mortis" e doação de bens e direitos; relativas a circulação de mercadorias (incidindo sobre minerais, lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos e energia elétrica) e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (transmissão e recepção de mensagens escritas, faladas, visuais, através de rádio, telex, televisão etc.); propriedade de veículos automotores; adicional de até 5% sobre imposto de renda.

MUNICÍPIOS
Na distribuição dos impostos, coube aos municípios os seguintes: sobre a propriedade predial e territorial urbana; sobre transmissão "intervivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis (como a venda, permuta, compra, transferência de financiamentos, exceto hipoteca, incorporação de patrimônio, fusão, cisão, extinção de pessoa jurídica); sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto óleo diesel; sobre serviços de qualquer natureza 

CONCLUSÃO
A sociedade possui atualmente como instrumento uma lei voltada para o financiamento da pessoa jurídica de direito público, com suas sanções e legalidades, matéria esta de interesse dos indivíduos, quer seja de ordem física ou de ordem jurídica, tendo um capítulo genérico na nossa Constituição Federal, nos artigos 145 a 169, em conjunto com a sua lei mais abrangente denominada de Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966.

O Direito Tributário é voltado exclusivamente para o estudo jurídico e as implicações decorrentes da aplicação do Código Tributário Nacional, dando uma interpretação correta da sua aplicabilidade para a sociedade, com a resolução dos problemas resultantes da sua interpretação na esfera governamental e para os indivíduos físicos e jurídicos, tendo como princípio fundamental os direitos e garantias individuais.
Nesse trabalho buscou-se mostrar a aplicação do Direito Tributário tendo como base a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Celso Ribeiro & MARTINS, Ives Gandra. Comentário à Constituição do Brasil.
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva e colaboradores, 30.ª ed. – São Paulo, Saraiva, 2001.
COTRIM, Gilberto Vieira. Direito e Legislação: Introdução ao Direito, 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1982
GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL: São Paulo: Nova Cultural, 1998, v.8, p.1925.
HORA, Gilvanice Silva da. Ordenamento Jurídico. Camaçari: Departamento de Ciências Humanas e Tecnológicas da UNEB, 2001. 1p. (Notas de aula).
ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário na nova Constituição, 1. ed. São Paulo: Atlas, 1989
NOGUEIRA, Rubem Rodrigues. Curso de Introdução ao Estudo do Direito, 1. ed. São Paulo: Bushatsky, 1979.
POLETTI, Ronaldo. Introdução ao Direito, 2. ed. revista e ampliada, São Paulo: Saraiva, 1994
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 15. ed. revista, São Paulo: Malheiros, 1998

domingo, 15 de dezembro de 2013

Os fins do Direito (1) 6


Bem comum, justiça e segurança jurídica exercem um condomínio sobre o Direito – não em perfeita harmonia, mas, bem ao contrário, em viva antinomia. O predomínio de um ou de outro destes valores em relação aos demais não pode ser determinado por nenhuma norma – tal norma não existe –, mas apenas pela opção responsável de cada época. O Estado de polícia dava preferência ao bem comum, o Direito Natural à justiça, o positivismo à segurança jurídica. O Estado autoritário iniciou novo processo evolutivo, colocando novamente o bem comum no primeiro plano. Mas a História ensina que não faltará a antítese e que uma nova época deverá reconhecer, mais do que ocorre no presente, ao lado do bem comum, o elevado valor da justiça e da segurança jurídica (15). Justitia una virtus omnium est domina et Regina virtutum (a justiça é a mesma virtude para todos e é a rainha das virtudes), Cicero – De Officiis – IIIc. 28.
1. Apresentação feita no Congresso do Instituto Internacional de Filosofia do Direito, em Roma, publicada no seu anuário – 1937/1938
2. IndivíduoEstado e Corporação – Basel, 1935, p. 26
3. Ferdinand Tönnies – Thomas Hobbes –  3ª ed. 1925, p. 219:  justiça no tratamento pode ser dividida em comutativa e distributiva. Na verdade, a injustiçanão está na desigualdade da coisaque devesertrocadaou distribuída, mas na desigualdade pretendida poralguémemrelação a seuparceirocontra a naturezaou a razão.
4. Georges Gurvitch – L´expérience juridique et la philosophie pluraliste du droit (A Experiência Jurídica e a Filosofia Pluralista do Direito) Paris, 1935, p. 99
5. opus cit., p. 4
6. Radbruch – Rechtsphilosophie (Filosofia do Direito), 3ª ed., 1932, p. 29 e sgs.
7. Veja-se a respeito Demogu – Lês notions fondamentales du droit privé (As noções fundamentais do Direito Privado), 1911, p. 63 e sgs; também Max Rümelin - Rechtssicherheit (Segurança Jurídica), 1924
8. Com outra fundamentação, Wilhelm Sauer – Grundlagen der Gesellschaft (Fundamentos da Sociedade),  1924, p. 443, chama a segurança jurídica de justiçaestrita.
9. Luigi Secco – Luigi Knapp e sua Filosofia do Direito, 1936
10. vide Justus Wilhelm Hedemann – Die Flucht in die Generalklauseln (A fuga para as cláusulas gerais), 1933
11. Max Weber – Wirtschaftsgeschichte (História da Economia), 1923, p. 289 e sgs.
12. Jacob Buckhardt – Weltgeschichtliche Betrachtungen (Considerações sobre a História Universal), 3. ed., 1918, p. 260 e sgs.
13. Huizinga – Im Schatten von morgen, 1935, p. 32
14. Giorgio Del Vecchio – Stato fascista e Vecchio regime(O Estado fascista e o velho regime), 2. ed., 1932
15. A. Roberto Goldschmidt – Studi in memória di Aldo Albertoni, (Estudos em memória de Aldo Albertoni)III, p. 505

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Os fins do Direito (1) 5

Estes sonhos realizaram-se intensamente. A partir de 1914, a partir da primeira guerra mundial e em razão de suas dramáticas conseqüências, experimentamos permanentemente a felicidade de viver perigosamente. Talvez seja nossa época ou nossa avançada idade que nos permitam hoje melhor compreender as frívolas palavras de Montesquieu: heureux le peuple dont l’histoire est ennuyeuse (feliz o povo cuja história é monótona); mas não é necessário ser profeta para predizer que a ânsia pela segurança, em especial pela segurança jurídica, será, no futuro, cada vez mais perceptível e mais fervorosa.
O crescente valor que se começa a atribuir novamente à segurança jurídica revela o reconhecimento de que ela é exigência essencial até para as ideologias jurídicas orientadas exclusivamente pelo bem comum; tem sido invocada, mesmo nos Estados autoritários, como fundamento da organização comunitária. A lei é a vontade do poderoso; sua infração equivale, portanto, a uma violação ao dever de fidelidade à autoridade; por isso é considerada ilícita e contrária à segurança jurídica. Esta fundamentação da segurança jurídica na obediência à autoridade estatal está intimamente ligada à orientação exclusiva do Direito ao bem comum: as ordens da autoridade servem para que os cidadãos colaborem na realização do bem comum e evitem os conflitos entre si. Esta construção conceitual de segurança jurídica a partir da idéia de autoridade e de bem comum é incompatível, no entanto, com certos fenômenos jurídicos que não podem ser ignorados. Fosse o Direito apenas um comando da autoridade, não seria possível explicar a sujeição da própria autoridade ao Direito nem, portanto, o Estado de Direito e os direitos subjetivos públicos. Tais conceitos devem ser explicados, do ponto de vista formal, pelo conteúdo positivo da idéia de segurança jurídica e, do ponto de vista material, pelo conteúdo individualista da idéia de justiça. Também a independência dos juízes seria incompreensível se o Direito fosse apenas ordem do chefe a serviço do bem comum, se não ostentasse sua legitimidade, independente da mera idéia de finalidade e obediência às determinações. A independência do juiz não é senão a liberdade da ciência aplicada à ciência jurídica prática.
A idéia de Direito não é, no entanto, pura idéia finalística a serviço do bem comum – pois, neste caso, não se distinguiria da Política e da Administração. Orienta-se, ao contrário, pelos princípios de legalidade e de justiça; interpreta as determinações legais a partir da segurança jurídica, sob o ponto de vista da justiça, ou seja, da igualdade. Mas não é necessário destacar a importância do papel que, nesta matéria, desempenha a idéia de finalidade. Extraordinário foi o serviço prestado pelas novas teorias jurídicas ao enfatizá-lo. Ao contrário, o que se faz necessário reforçar agora é que a idéia de finalidade deve ser aplicada nos limites da legalidade e da justiça. Da mesma forma que o Estado de Direito, os direitos subjetivos públicos, a autonomia do judiciário e da ciência do Direito, o conceito de Direito orienta-se pela idéia de justiça e de segurança jurídica. Enquanto a idéia de justiça qualifica a essência do Direito como solução de conflitos com base em normas gerais, a segurança jurídica agrega-lhe o subseqüente caráter de positividade. Huizinga, em seu belo livro Nas sombrasmatinais (13), escreve que da necessidade de segurança decorre tudo o que denominamos Direito; podemos recolher sua frase, mas sob outra forma: da necessidade de segurança decorre tudo o que denominamos Direito positivo.
As idéias de justiça e segurança jurídica, elementos individualistas do Direito, não se encontram totalmente vinculadas ao pensamento supra-individualista de bem comum, mas sua vinculação é pelo menos tão estreita quanto o conceito de Estado de Direito, de direito subjetivo público, de independência dos tribunais, de autonomia da ciência jurídica e, finalmente, do próprio conceito de Direito. Nem as autoridades estatais querem abandonar estes valores, afirma novamente, com ênfase, Del Vecchio: La sovranità della legge e l’eguaglianza dei cittadini dinanzi ad essa rimangono i cardini dello stato fascista, il quale è perciò, e vuol essere, Stato di diritto (a soberania da lei e a igualdade do cidadãos diante dela continuam sendo os pontos cardeais do Estado fascista que, graças a isso, pretende ser um Estado de Direito). Também e acima de tudo, a liberdade pertence à sua essência. É mais fácil compreender hoje do que no passado que a vida de uma nação e de um indivíduo se interpenetram. (14)

sábado, 3 de agosto de 2013

Os fins do Direito (1) 4

Não são necessárias longas provas para demonstrar que a segurança jurídica é diferente de bem comum, ao qual, com freqüência, até se opõe – aquilo que, no interesse da segurança, muitas vezes é summum ius, sob o ponto de vista do bem comum é summa iniuria. A segurança jurídica, por vezes, permite que a lei e o Direito se transformem em doença incurável. Por outro lado, segurança jurídica e justiça mantêm estreito relacionamento entre si, confundindo-se até. A segurança jurídica exige a mesma generalidade das normas que integra a essência da justiça: só a norma geral pode regulamentar, com anterioridade, casos vindouros e fundamentar o Direito justo para o futuro. Direito incerto, além disso, é, ao mesmo tempo, Direito injusto, pois não pode assegurar igualdade de tratamento a casos futuros assemelhados; pode-se, por isso, traduzir a idéia de segurança jurídica como igualdadeperante a lei, como afirmou Lord Bacon: legis tantum interest ut certa sit ut absque hoc nec iusta possit (a certeza da lei é tão importante que, sem ela, a lei não conseguiria ser justa) (8). A segurança jurídica comparte também com a justiça seu caráter liberal individualista: não significa segurança do Direito no interesse do Direito, mas segurança do Direito no interesse individual – contra o arbítrio e, neste sentido, em defesa da liberdade.
A segurança do Direito, ao contrário da justiça, não é um valor absoluto e indispensável. Por mais forte que seja a já referida tensão entre ela e o bem comum, em sentido restrito, seu valor resulta de sua utilidade para o bem comum, em sentido amplo. Utilidade que foi destacada, de forma impressionante, por Jeremy Bentham – o maior panegirista da segurança, ao lado de Ludwig Knapp, recentemente sacados do esquecimento por Luigi Secco (9). Bentham via na segurança jurídica a propriedade essencial da civilização, a diferença entre a vida dos animais e a dos homens, pois é ela que possibilita fazer planejamentos para o futuro, trabalhar e economizar. Só ela pode garantir que a vida não seja apenas uma série de momentos particulares, mas uma sucessão contínua. Só ela estabelece uma cadeia entre o presente e o futuro, tecida pela prudência e a previsão, projetando-se sobre as gerações que se seguirão.

Não é necessária pormenorizada exposição sobre o fato de que nós e todo o mundo nos encontramos longe daquela visão panegírica apaixonada de Bentham. Em primeiro lugar, a Escola do DireitoLivredemonstrou que a pretendida segurança quanto à decisão judicial não existe, ao menos na forma como era imaginada, pois, freqüentemente, o que determina a decisão, mais do que se pensava, não é a lei e sim a opinião do juiz. Os juízes foram então estimulados a criar o Direito, a criar uma jurisprudência imprevisível. A seguir, o legislador ampliou o espaço de competência deixado aos juízes, assim como a possibilidade de decisões inesperadas, fenômeno que recentemente foi acolhido pelas consciências em geral sob o título de fugapara as cláusulasgerais (10). Sob múltiplas formas, foi confiada ao juízo de valores dos juízes a decisão sobre todas as áreas do Direito – mesmo aquelas em que, até então, predominava rigorosamente o princípio da legalidade, como o Direito Penal, no qual se estabelecera o firme bastião da certeza jurídica através da proibição da punibilidade com fundamento na analogia. Nem falta coragem para a elaboração jurídica contra legem sempre que, em conseqüência a mudanças políticas, uma lei ainda em vigor contraria o espírito do novo regime. Em Estados nos quais os obstáculos à legislação foram eliminados pela unificação de legisladores e administradores, há o risco da fácil modificação do Direito, até como solução de situações individuais.

Como chegou o ideal da segurança jurídica a este grau de depreciação? De 1871 a 1914, experimentamos uma época de estabilidade nas relações sociais tão longa como talvez nunca tenha ocorrido na história da humanidade. O período capitalista produzia a necessária segurança jurídica: Max Weber demonstrou cabalmente que um Estado e um Direito racionais eram necessários ao capitalismo e foram por ele criados (11).Jakob Burckhardt pôde afirmar que toda a Moral daquela época estava essencialmente orientada para a segurança, de formaque, ao menoscomoregra, cumpria ao individuo tomar asmaisgravesdecisõessobre a defesa de suacasa e de seubem-estar. A segurança exigia, comocondição da felicidade, a subordinação do arbítrio a umDireito assegurado pelapolícia, a regulamentação de todas as questões relativas à propriedadeatravés de leis positivas objetivas, a maiorsegurançapossível aos lucros e ao comércio. E aquiloque o Estadonão podia fazer, o regime de seguros podia. MasBurckhardt não ocultou certa dúvida a respeito desta segurança burguesa quando afirmou que a segurança foi deficiente, emelevadograu, em várias épocas revestidas de eternoesplendor e que ocuparãoposiçãodestacada na história da humanidadeaté o fim dos tempos. Em Atenas deve ter imperado o sentimento de segurança em intensidade tal que jamais será igualado no mundo (12).
A questão da segurança impactava muito mais duramente a juventude daquela época. Para comprová-lo, apresento um texto juvenil escrito em 1910, na primeira edição de minha Einführung in die Rechtswissenschaft (Introdução à Ciência do Direito): certamente podemos considerar a ciência e a ordem jurídicas, a lei natural e a norma, comogigantescalutapelaeliminação, da face da terra, doinevitável e do acaso. Mas, e se estes conseguissem realmente sair vitoriosos, tornando a vidaabsolutamente previsível, valeria a pena viver? O acaso e a imprevisão, o inesperado, a surpresa e a decepção, o doce sofrimento do retardando e a fascinantesensação de perigo do accelerando tornam a música sedutora e, da mesmaforma, fazem comque amemos a vida: o inesperado é a mais antiga dentre as coisas nobres do mundo (Nietzsche). Como seria a vida se não pudéssemos mais espera rpelo milagre? Aquelequenão estiver totalmente mergulhado no quotidiano preferirá sempre a felicidade da incerteza à certeza da felicidade. Embora a ordem jurídica esteja longe de dominar a incerteza, umnúmerosemprecrescente de requintadas naturezas humanas sofre ainda hoje a cinzenta regularidade davida burguesa: quantosnãoserão os homensemcujoberço, ou, digamos de forma mais cuidadosa, emcujomomento do crismanão se possa jádescobrir o esquema de sua oração fúnebre? O instinto daaventura, de enfrentar o perigo, o impulso fáustico de transformar o próprio egoemego do mundo, o prazer romântico pelaindisciplina da beleza e a exuberância da existência, voltam-se contra a regularidade e a ordem do Direito e arrastam o homem, consciente ou inconscientemente, emdireção ao anarquismoafetivo.” Frágeis ecos do “viver perigosamente”, exaltado por Nietzsche.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Os fins do Direito (1) 3

A justiça transfere seu caráter relativo ao conceito de Direito no qual predomina: Direito é também solução de conflitos. Por isso, a noção de Direito participa da natureza geral da justiça: Direito é solução de conflitos a partir de normas gerais, afirmação que pode ser comprovada por uma dedução a partir do conceito de Direito (6) – aqui, basta uma prova indireta: a norma jurídica não poderia distinguir-se das demais normas se não fosse uma forma de solução de conflitos e não possuísse caráter geral. Somente quando ela se considera uma forma de solução de conflitos pode distinguir-se das puras normas de orientação a funcionários públicos; somente quando nela se reconhece o caráter geral pode distinguir-se da sentença e do ato administrativo. Uma norma destinada a servir exclusivamente ao bem comum é uma determinação administrativa, não Direito. Estes exemplos demonstram também que o fenômeno ao qual é necessário negar a qualificação de norma jurídica não perde, de forma alguma, sua justificação. Uma ordem contra determinada pessoa pode justificar-se como medida de exceção e não será necessariamente arbitrária. Não tem caráter jurídico. Não perde apenas o rótulo jurídico, mas também a indescritível ênfase que vibra a partir deste nome e a força moral que dele emana. Por isso os Partidos Políticos vitoriosos transformam sempre seus interesses particulares em normas jurídicas de caráter geral – e a partir desta transformação buscam lograr conseqüências muito concretas.

Permito-me oferecer outro exemplo histórico. A liberdade, em qualquer sentido, era uma necessidade e uma reivindicação da burguesia ascendente, formulada como exigência jurídica fundada no Direito Natural. Por isso a burguesia não podia exigi-la exclusivamente para si, precisava fazê-lo de forma geral, ou seja, para todos. Mas esta liberdade como direito, exigida e conquistada sob forma geral, trouxe também em seu seio a liberdade de associação para a ativa classe dos trabalhadores, transformando-se em instrumento de luta exatamente contra a classe cujo interesse pela liberdade se transformara em direito. Em virtude da forma jurídica que normalmente passam a adotar as reivindicações políticas, os poderosos, em geral, só podem impor encargos sobre seus dominados quando os assumem também; da mesma forma, só podem reivindicar vantagens quando estão dispostos a assegurá-las também a seus subordinados. Na verdade, essa generalização pode continuar sendo mera aparência, pois (nas palavras irônicas de Anatole France), a lei,em sua majestosa igualdade, proíbe ricos e pobres de mendigar nas ruas, dormirembaixo de pontes e roubar pão – mas pode também adquirir significado muito real, como na hipótese da liberdade de associação. Por isso o Direito de Classe, pelo fato de ser Direito, ou seja, por ter assumido a forma da generalidade e da igualdade, pode constituir-se em algo valioso, ao menos em certa medida, também para os oprimidos, as minorias, os fracos e os excluídos.
Em suma: a justiça distingue-se claramente de bem comum e, como fim do Direito, encontra-se até em certo relacionamento conflituoso com ele. Pressupõe a situação de conflito, ao contrário da idéia de bem comum que não lhe dá atenção ou até a nega. A justiça coloca na balança bem comum e interesses jurídicos individuais, enquanto, ao contrário, a idéia de bem comum mantém seu caráter individualista-liberal. Caracteriza-se ela pelas marcas da igualdade e da generalidade, que não desempenham nenhum papel em relação ao bem comum. Finalmente, a idéia de justiça imprime seu caráter no conceito de Direito, ao reconhecê-lo como forma de solução de conflitos através de normas gerais. Exclusivamente a partir da idéia de bem comum, não pode ser deduzido o conceito de Direito. Não há dúvida de que a justiça é essencial ao bem comum – como fundamentum regnorum. Sua essência não decorre, todavia, desta utilidade para o bem comum; ao contrário, ela é útil a ele por sua própria legitimidade – exatamente como a ciência e a arte, que somente o servem quando, sem nenhuma preocupação com ele, realizam suas próprias leis de verdade e beleza. Portanto, para compreender a justiça dentro de um conceito mais amplo de bem comum, deve-se distingui-la imediatamente do conceito restrito de bem comum.

Semelhante é o resultado da discussão sobre segurança jurídica, aqui exposta. Em primeiro lugar, é necessário determinar o conceito de segurança jurídica, que pode ser entendido de três maneiras (7):

1 - Como segurança por meio do Direito: segurança contra o homicídio, contra o roubo e o furto, segurança no trânsito etc. Segurança jurídica, neste sentido, é elemento do bem comum, nada tendo a ver, portanto, com nosso tema, embora, naturalmente, seja ela afim ao que entendemos por segurança jurídica, pois pressupõe que haja segurança no próprio Direito.

2 - A segurança do Direito exige o firme conhecimento da norma jurídica, a prova cabal dos fatos dos quais sua aplicação depende e a correta execução do que foi promulgado como Direito. Trata-se da certeza do Direito vigente em determinado momento, não de sua validade. Certeza que seria ilusória se, por qualquer motivo, a qualquer tempo, pudesse o legislador eliminá-la. Por isso, a certeza de determinado Direito vigente precisa ser completada, ao menos em certa medida, pela

3 -segurança do Direito contra modificações, através de limitações previstas no sistema legislativo – como a divisão dos Poderes e as dificuldades impostas às alterações constitucionais –. Mas segurança jurídica, neste terceiro significado, normalmente, não diz respeito ao Direito objetivo e sim ao subjetivo: é a proteção ao direito adquirido. Este princípio, conservador e, em determinadas circunstâncias, reacionário, não tem relação com nossa matéria. Precisamos, no entanto, abordá-lo porque, sem ele, a segurança do Direito em vigor, em si mesma, seria uma ilusão; é necessária a segurança contra modificações arbitrárias, a qualquer momento, ou, como já afirmamos, é necessária uma certa dose de segurança contra alterações do Direito.

sábado, 25 de maio de 2013

Os fins do Direito (1) 2


Aristóteles definiu categoricamente: justiça é igualdade. Não tratamento igual para todos os homens e casos, mas igualdade quanto à medida de tratamento. Diversidade de tratamento, de acordo com a diversidade entre as pessoas e os fatos. Portanto, não absoluta igualdade no tratamento, mas proporcionalidade: suum cuique (a cada um o seu). Esta é a justiça distributiva de Aristóteles. Sua iustitia commutativa é apenas uma aplicação dela, ou seja, é a justiça distributiva aplicada a pessoas consideradas iguais. Somente pressupondo a igualdade das partes pode-se exigir igualdade entre prestação e contraprestação – pois se a uma delas fosse concedido mais do que ela prestou, ela seria beneficiada em relação à outra (3). Se iustitia commutativa é a aplicação da justiça a pessoas cuja desigualdade é considerada irrelevante, equidade significa, ao contrário, a justiça que se aproxima, tanto quanto possível, das particularidades mais individualizadas do caso concreto. Mas, mesmo neste extremo de particularização, a justiça continua sendo a aplicação de uma medida universal. Pressupõe um mínimo de semelhança entre pessoas e fatos, abstraindo de sua individualidade mais profunda, e trata, pois, como iguais, situações que, na realidade, são diferentes. Apesar de seu caráter proporcional, justiça significa igualdade de tratamento jurídico a grupos de pessoas ou fatos mais ou menos amplos, ou, o que dá no mesmo, a aplicação de regras mais ou menos gerais na regulamentação destes comportamentos.

O que explica a valorização da igualdade no comportamento jurídico, ou o caráter geral da norma? A resposta foi tentada a partir da necessidade de conciliar a inveja universal – mas não explica o sentimento de justiça das pessoas não envolvidas no problema. Foi procurada a partir do sentimento estético da simetria – mas outra vez não explica a violência elementar e explosiva do sentimento de justiça. Foi considerada exigência do bem comum – iustitia fundamentum regnorum (a justiça é o fundamento dos impérios) – pois a injustiça gera perturbação do equilíbrio social e leva ao perigo da violência revolucionária. Mas, desta forma, confunde-se causa e efeito: uma situação não é injusta porque provoca desequilíbrio social, mas exatamente ao contrário: provoca o desequilíbrio social por ser injusta. Na verdade, do ponto de vista psicológico, a justiça só pode ser considerada um sentimento primordial e inevitável; do ponto de vista filosófico, deve ser considerada um valor entre os demais valores absolutos como o bem, a verdade e a beleza.

É impossível deduzir uma norma jurídica exclusivamente da justiça, como pode ser demonstrado por um exemplo do Direito Penal. A justiça determina que deve ser imposta pena grave a quem revela culpa grave e pena leve a quem age com culpa mais leve. Não afirma, no entanto, que o homicídio seja mais grave do que o roubo. Cria, porém, instrumentos para que se possa dosar a culpabilidade, que será maior ou menor, em função do grau de perigo oferecido ao bem comum. Não diz também como o culpado deve ser castigado – se o assassino deve ser torturado na roda e o ladrão enforcado ou se o primeiro deve ser recolhido à prisão perpétua e o segundo à prisão temporária. Não cria, também, o sistema de penas, mas só determina o tipo de pena aplicável, dentro de um sistema de punições previamente estabelecido: a espécie de pena em concreto deverá ser determinada em função da importância para bem comum. A justiça só estabelece, pois, a relação entre determinada pena e seu grau, com base em um sistema de penas dado. O conceito de culpa e o sistema de penas devem ser estabelecidos, então, a partir da idéia de bem comum. A justiça, portanto, define apenas a punibilidade relativa, não a absoluta. É também em razão dela que este conceito relativo resulta de uma medida geral – o conceito de culpa – delimitada por uma escala geral de penas e de sua graduação. Este exemplo revela, de um lado, o caráter relativo e, de outro, a natureza geral da justiça.
O caráter relativo da justiça significa que ela deve relacionar entre si, comparar e conciliar, os indispensáveis conceitos de maioria de pessoas, de situações jurídicas e de interesses em conflito. Justiça é, essencialmente, solução de conflitos. Le problème de la justice – afirma Georges Gurvitch – ne se posequesi l’on admet la possibilite d’un conflit entre des valeurs morales equivalentes. La justice suppose essenciellement l’existence de conflits; elle est appelée à harmoniser les antinomies; dans une ordre harmonique par avance..., la justice est innaplicable et inutile. (O problema da justiça – diz Georges Gurvitch – não se coloca senão quando é admitida a possibilidade de um conflito de valores morais equivalentes. Supõe essencialmente a existência de conflitos; deve harmonizar antinomias; em uma ordem harmônica pré-estabelecida... ela seria inaplicável e inútil) (4). Muito particularmente, a justiça não é pensável nas relações entre comunidade e indivíduo quando se afirma a impossibilidade de conflito entre estes, reconhecendo-se a supremacia incondicional do bem comum sobre qualquer interesse individual. Contra tal concepção levantou-se Del Vecchio de forma agradavelmente decisiva: A pura negação apriorística da oposiçãoexistente..., afirmar, porexemplo, que o Estado é a única realidade e o indivíduo é porele absorvido ou é comele identificado, não é umbommétodo... Estado e indivíduo são dois elementos da realidadeque,embora possam e devam estaremharmonia e de acordo, não podem ser negados, pois existem. A afirmação... segundo a qualumououtro destes elementos, por ser irreal ou idêntico ao outro, não deveserlevadoemconsideração... de fato, não dá nenhum passo em direção à solução do problema (5). A idéia de justiça pressupõe a possibilidade de tensão entre a comunidade e o indivíduo, que ela exatamente tem por tarefa superar. É um contrapeso individualista-liberal à idéia superindividualista de bem comum.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Dia Internacional da Mulher!!!


Direito adquirido!!!

Mulheres serenas, promessas de nada.
mulheres de vento, de sopro divino, 
mulheres de sonho, mulheres sentido, 
mulheres da vida, melhor ter vivido... 
Mulheres de tempo, em que tudo que havia fazia sentido, 
mulheres que eu vejo, no sol de janeiro, 
mulheres saídas de potes de vidro, 
mulheres faceiras, as mais feiticeiras, melhor ter sorrido... 
mulheres de tantos e tantos perigos, 
mulheres de vinho e de vã harmonia, 
mulheres convívio, 
mulheres no cio, as mais parideiras, melhor ter nascido... 

mulheres de luzes e de absinto, 
mulheres que um dia sonhei colorido, 
mulheres de santos, mulheres de igrejas, 
as mais rezadeiras, melhor sacrifício 

mulheres que um dia deitaram comigo, 
mulheres tão lindas e de maior juízo, 
mulheres de danças, 
as tranças nos ombros, meus olhos caídos... 

mulheres que fecham a vã poesia, 
mulheres que o ouro não tem nem princípio, 
mulheres de outono, 
o seu abandono, melhor ter carinho... 

mulheres de um tempo em que estive sozinho, 
mulheres de riso abrindo janelas, 
mulheres que sonham, 
seu sono macio, melhor o seu ninho... 

mulheres do dia e da noite, eternos, 
mulheres que lutam, raízes na terra, 
mulheres que as feras, 
no meio da noite, não mais intimidam... 

mulheres espera, no mar do abandono, 
mulheres teares, tecendo seu linho, 
mulheres tão loucas, 
Seu beijo na boca, uma taça de vinho...

Feliz Dia Internacional da Mulher!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os fins do Direito (1)

Quatro velhos adágios apontam para os princípios fundamentais do Direito, embora, ao mesmo tempo, fortes antinomias reinem em relação a eles. Diz o primeiro: salus populi suprema lex est (o bem-estar do povo é a suprema lei), ao que responde o segundo: iustitia fundamentum regnorum (a justiça é o fundamento dos impérios).A justiça, e não o bem comum, apontada como fim supremo do Direito. Não uma justiça supra positiva, mas a justiça positiva, a legalidade, como consta do terceiro adágio: fiat iustitia, pereat mundus (faça-se justiça e dane-se o mundo) – a obediência à lei acima do bem comum. Ao que responde o quarto adágio: summum ius, summa iniuria (o excesso no direito é o máximo de injustiça) – a aplicação rigorosa da lei pode levar à mais cruel das injustiças. Portanto: bem comum, justiça e segurança jurídica aparecem como supremos objetivos do Direito, não em perfeita harmonia, mas em acentuado antagonismo.

Aceita-se geralmente que o Direito deve servir ao bem comum, porém, sobre o significado de bem comum contradizem-se as diferentes filosofias da vida, as diversas teorias sobre o Estado e os programas dos Partidos Políticos. Com um significado social, pode-se entender bem comum como o bem de todos ou do maior número possível de indivíduos – a maioria, a massa. Pode-se, de forma orgânica, entender bem comum como o bem dos integrantes de um Estado, ou povo, o que é mais do que a soma das individualidades. Pode-se, finalmente, entender bem comum, de um ponto de vista institucional, como a busca da realização objetiva de valores, não no interesse dos indivíduos nem no interesse de sua totalidade, mas no seu próprio interesse: a ciência e a arte, com seus valores específicos, são exemplos significativos desta concepção. Mas seja qual for a forma de conceituar bem comum, seu significado estará em contradição com o que Del Vecchio escreveu certa vez: o direito de uma pessoa é tãosagradoquanto o direito demilhões de homens (2). Chamamos liberalismoa doutrina que reconhece ao indivíduo, em determinadas situações, o direito de defender-se contra a maioria e até contra a totalidade, resistindo aos objetivos por elas estabelecidos. Esta doutrina fundamenta-se nos outros fins que servem ao Direito além do bem comum: na justiça e na segurança jurídica. Estes valorizam a igualdade e a liberdade do indivíduo, contra os exageros do bem comum. Não existe, é óbvio, prova de que o Direito deva obrigatoriamente proteger os fins liberais, ao lado dos fins sociais, orgânicos e institucionais – embora não se deva esperar por nenhuma prova absoluta no terreno do dever. Mas não é menos verdade que não pode pretender o nome de Direito uma ordem que sirva exclusivamente ao bem comum e impossibilite a defesa dos indivíduos, a defesa de seus interesses contra ele; em tal circunstância, seria impossível uma ciência do Direito; mantido este pressuposto, seriam inexplicáveis inúmeros fenômenos práticos hoje reconhecidos, tais como a independência do Tribunais, os direitos subjetivo públicos e o Estado de Direito.
Este é o tema de minha exposição. Particularmente na época em que vivemos, o grave significado dos problemas aqui apresentados deve merecer especial consideração, pois é tendência em quase todo o mundo estruturar a ordem social exclusivamente em função do bem comum, ignorando os evidentes princípios da justiça e da segurança, e destruindo, desta forma, a própria idéia de Direito.

Comecemos pelo conceito de justiça. Não por aquele conceito com o qual sintetizamos tudo o que esperamos do Direito e que pode ser reduzido fundamentalmente ao conceito de correção, mas por um conceito específico de justiça que qualifica o Direito em face de outras obrigações.