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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os fins do Direito (1)

Quatro velhos adágios apontam para os princípios fundamentais do Direito, embora, ao mesmo tempo, fortes antinomias reinem em relação a eles. Diz o primeiro: salus populi suprema lex est (o bem-estar do povo é a suprema lei), ao que responde o segundo: iustitia fundamentum regnorum (a justiça é o fundamento dos impérios).A justiça, e não o bem comum, apontada como fim supremo do Direito. Não uma justiça supra positiva, mas a justiça positiva, a legalidade, como consta do terceiro adágio: fiat iustitia, pereat mundus (faça-se justiça e dane-se o mundo) – a obediência à lei acima do bem comum. Ao que responde o quarto adágio: summum ius, summa iniuria (o excesso no direito é o máximo de injustiça) – a aplicação rigorosa da lei pode levar à mais cruel das injustiças. Portanto: bem comum, justiça e segurança jurídica aparecem como supremos objetivos do Direito, não em perfeita harmonia, mas em acentuado antagonismo.

Aceita-se geralmente que o Direito deve servir ao bem comum, porém, sobre o significado de bem comum contradizem-se as diferentes filosofias da vida, as diversas teorias sobre o Estado e os programas dos Partidos Políticos. Com um significado social, pode-se entender bem comum como o bem de todos ou do maior número possível de indivíduos – a maioria, a massa. Pode-se, de forma orgânica, entender bem comum como o bem dos integrantes de um Estado, ou povo, o que é mais do que a soma das individualidades. Pode-se, finalmente, entender bem comum, de um ponto de vista institucional, como a busca da realização objetiva de valores, não no interesse dos indivíduos nem no interesse de sua totalidade, mas no seu próprio interesse: a ciência e a arte, com seus valores específicos, são exemplos significativos desta concepção. Mas seja qual for a forma de conceituar bem comum, seu significado estará em contradição com o que Del Vecchio escreveu certa vez: o direito de uma pessoa é tãosagradoquanto o direito demilhões de homens (2). Chamamos liberalismoa doutrina que reconhece ao indivíduo, em determinadas situações, o direito de defender-se contra a maioria e até contra a totalidade, resistindo aos objetivos por elas estabelecidos. Esta doutrina fundamenta-se nos outros fins que servem ao Direito além do bem comum: na justiça e na segurança jurídica. Estes valorizam a igualdade e a liberdade do indivíduo, contra os exageros do bem comum. Não existe, é óbvio, prova de que o Direito deva obrigatoriamente proteger os fins liberais, ao lado dos fins sociais, orgânicos e institucionais – embora não se deva esperar por nenhuma prova absoluta no terreno do dever. Mas não é menos verdade que não pode pretender o nome de Direito uma ordem que sirva exclusivamente ao bem comum e impossibilite a defesa dos indivíduos, a defesa de seus interesses contra ele; em tal circunstância, seria impossível uma ciência do Direito; mantido este pressuposto, seriam inexplicáveis inúmeros fenômenos práticos hoje reconhecidos, tais como a independência do Tribunais, os direitos subjetivo públicos e o Estado de Direito.
Este é o tema de minha exposição. Particularmente na época em que vivemos, o grave significado dos problemas aqui apresentados deve merecer especial consideração, pois é tendência em quase todo o mundo estruturar a ordem social exclusivamente em função do bem comum, ignorando os evidentes princípios da justiça e da segurança, e destruindo, desta forma, a própria idéia de Direito.

Comecemos pelo conceito de justiça. Não por aquele conceito com o qual sintetizamos tudo o que esperamos do Direito e que pode ser reduzido fundamentalmente ao conceito de correção, mas por um conceito específico de justiça que qualifica o Direito em face de outras obrigações.