carrossel

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Característica do neoconstitucionalismo


2 Característica do neoconstitucionalismo

Assentadas essas considerações quanto à conceituação é possível trazer à lume as características do movimento em estudo. Tal abordagem ajudará no pleno entendimento do assunto.
Eis as características: supremacia do texto constitucional; garantia, promoção e preservação dos direitos humanos; força  normativa dos princípios constitucionais; constitucionalização do Direito; ampliação da jurisdição constitucional.

2.1 Supremacia do texto constitucional

Dizer que o texto constitucional é supremo é dizer que todas as suas prescrições têm normatividade, ou seja, os direitos previstos na Carta Política, por regras ou princípios, serão efetivados ainda que não exista norma infraconstitucional dispondo sobre a matéria.
Assim, a Constituição perde o seu caráter de fonte indireta de direitos para ser fonte direta, isto é, reconhece-se às normas constitucionais plena eficácia.
Discorrendo sobre esse tema Luís Pietro Sanchis asseverou (1998, p. 35): “una norma suprema, fuente directa de derechos y obligaciones, inmediatamente aplicable por todos los operadores jurídicos, capaz de imponerse frente a cualquier otra norma y, sobre todo, con un contenido preceptivo verdaderamente exuberante de valores, principios y derechos fundamentales, en suma,de estándares normativos que ya no informan sólo acerca de “quien” y “como” se manda, sino en grande parte de “que” se puede o debe mandarse.”
Mas, fica no ar uma pergunta: por que dar essa qualidade ao texto constitucional? É preciso entender que o neoconstitucionalismo não se preocupa com norma constitucional em si mesma, mas sim porque, por natureza, as normas constitucionais são as definidoras dos direitos e garantias fundamentais, que numa expressão mais lata se resume em Direitos Humanos.
Para complementar esse raciocínio é preciso trazer à baila o entendimento de Jaime Cárdenas Gracia, para quem a supremacia constitucional é orientada pelo princípio democrático, que não cuida da vontade da maioria, mas sim respeita os direitos da minoria (2006, p. 42).
Assim, garante-se a todos os setores da sociedade o respeito aos direitos fundamentais ou humanos, o que promove um efeito reflexo importantíssimo: a atuação dos poderes constituídos, Legislativo, Judiciário e Executivo, devem ser legítimas do ponto de vista democrático, o que impede atuações espúrias que coloquem em risco a vida, liberdade, igualdade e dignidade de qualquer indivíduo.

2.2 Garantia, promoção e preservação dos direitos humanos ou fundamentais

De início é preciso esclarecer que estamos tomando como sinônimos as expressões direitos humanos e direitos fundamentais. Assim procedemos porque entendemos que as expressões não guardam diferenças quanto ao seu âmbito de proteção, ou seja, protegem os mesmos bens jurídicos.
Para fins didáticos esclarecemos que a doutrina vê a seguinte diferença: os direitos fundamentais são prescrições jurídicas limitadas no tempo e no espaço, enquanto que os direitos humanos são universais.
Finda essas divagações cumpre-nos, para melhor entendimento do tema, definir quais são os direitos fundamentais, o que se constitui numa tarefa hercúlea, porque a doutrina é claudicante nesse ponto, conforme entendimento de Edilsom Pereira de Farias (1996, p. 93), para quem: “[...] o conteúdo dos direitos fundamentais é, muitas vezes, aberto e variável, apenas revelado no caso concreto e nas relações de direito entre si ou nas relações destes com outros valores constitucionais...”.
De nossa parte entendemos que é possível definir, ainda que com alguma dificuldade, quais são os direitos fundamentais, em que pese doutrina, nacional e alienígena se limitarem a formular classificações.
Bem, para cumprir com nosso intento trazemos à luz a classificação evolutiva dos direitos fundamentais ou humanos, que, segundo entendimento pacífico, articulam-se em pelo menos três gerações ou dimensões da seguinte forma: a primeira geração representa as conquistas dos direitos individuais ou políticos consagrando o valor da liberdade. Na segunda geração surgem os direitos sociais, econômicos e culturais, consagrando o valor da igualdade. Na terceira geração há a consagração dos direitos relativos à paz, ao desenvolvimento econômico e ao preservacionismo ambiental, visando consagrar o valor da solidariedade.
Assim, partindo dessa evolução é possível fazer um rol dos seguintes direitos fundamentais: direito à vida, à liberdade, igualdade, legalidade, proibição da tortura e de tratamento desumano ou degradante, liberdade de manifestação do pensamento, liberdade de culto e crença religiosa, liberdade de atividade intelectual e artística, direito à proteção da propriedade e inviolabilidade domiciliar, sigilo de comunicações, liberdade de profissão, liberdade de informação, liberdade de locomoção, direito de reunião, direito de associação, direito à herança, direito de petição, direito à inafastabilidade da jurisdição, direito ao devido processo legal, direito à segurança jurídica e respeito, dignidade da pessoa humana, direitos políticos, direitos sociais (saúde, educação).
Em todos os países que respeitam o princípio democrático tais direitos são assegurados. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 abarcou todos eles, expressa ou implicitamente, seja na forma de regras ou na forma de princípios.
Pelos ditames do movimento neoconstitucional, que prima pela supremacia constitucional, tais direitos devem ser preservados, efetivados e promovidos e a forma como isso ocorre é explicada por três teorias, conforme entendimento de Pedro Lenza (2009, p. 673-677).
A primeira é a teoria dos quatro status formulada por Georg Jellinek. Pelo seu entendimento o indivíduo fica diante do Estado de quatro maneiras ou status. Existe o status passivo, situação em que o indivíduo tem deveres a cumprir perante o Estado, seja por mandamentos ou proibições. Contraponde-se a esse temos o status negativo, em que se defere ao indivíduo um espaço de liberdade intangível pela atuação estatal. Há o status positivo, em que o indivíduo tem o direito de exigir do Estado certas prestações. Por fim, há o status ativo, em que o indivíduo, exercendo direitos políticos, atua diretamente sobre a vontade do Estado.
A segunda teoria que versa sobre o tema é a que diz respeito sobre eficácia horizontal dos direitos fundamentais. É sabido que os direitos fundamentais tem eficácia nas relações havidas entre o indivíduo e o Estado, mas o mesmo se aplica nas relações entre particulares? A moderna doutrina entende que sim, dizendo que a aplicação horizontal dos direitos fundamentais se dá de forma direta ou indireta.
Segundo Pedro Lenza (2009, p. 676), ocorre a eficácia indireta quando “os direitos fundamentais são aplicadas de maneira reflexa, tanto em uma dimensão proibitiva e voltada para o legislador, que não poderá editar leis que viole os direitos fundamentais, como ainda, positiva, voltada para o legislador implemente os direitos fundamentais, ponderando quais devem aplicar-se às relações privadas”.
Já a eficácia direta ocorre quando “alguns direitos fundamentais podem ser aplicados às relações privadas sem que haja a necessidade de intermediação legislativa para a sua concretização” (LENZA, 2009, p. 676), como ocorre, v.g,, com o princípio da igualdade, aplicável à relações de trabalho no sentido de impedir a diferenciação entre os empregados de uma mesma empresa por causa de sua raça.
Por fim, temos a teoria da eficácia irradiante, que ligada à dimensão objetiva dos Direitos Fundamentais (dignidade da pessoa humana, a igualdade substantiva e a justiça social) vincula a atuação estatal à observância de seus preceitos, ou seja, a atuação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário não podem contrariar os ditames da dimensão objetiva a que aludimos, devendo sim, conforme ensina Luigi Ferrajoli, implementados (2002, p. 688).

2.3 Força normativa dos princípios constitucionais

Já dissemos neste trabalho que o mote do movimento neoconstitucional é a efetivação dos direitos fundamentais mesmo sem a existência de lei. Esse efeito só é possível porque se passou a enxergar nos princípios constitucionais verdadeiras normas jurídicas, superando a tradição positivista que não via neles caráter normativo.
Nessa linha de pensamento podemos citar Robert Alexy, que entre outras considerações, assevera que os princípios são normas que ordenam a realização de algo dentro, evidentemente, de suas possibilidades jurídicas (2002, p. 86).
Assim, é possível, principalmente na esfera de atuação do Poder Judiciário, a resolução de determinada demanda com base em princípios, especialmente, quando o caso versar sobre direitos fundamentais.
Reconhecendo essa possibilidade temos o escólio de Karl Larenz, que vê os princípios como “pautas diretivas de normação jurídica que, em virtude de sua própria força de convicção, podem justificar resoluções jurídicas.” (1997, p. 674).
Em virtude dessa força normativa a doutrina ressalta o caráter supremo dos princípios, que decorrendo da Constituição adquirem a qualificação de norma das normas, conforme verificamos no entendimento de Paulo Bonavides: “Postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo positivação no mais alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria institucional, rodeada do prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, norma das normas.” (2006, p. 289).
Um grande problema que resulta da aplicação de princípios é o fenômeno da colisão, que ocorre quando uma situação fática pode ser regulada por dois princípios oponentes entre si. Em casos assim, como saber qual princípio a ser aplicado? Evidente que não se pode escolher um em detrimento de outro, afinal, todo e qualquer princípio tem eficácia.
Visando essa situação a doutrina apontou como solução a ponderação de interesses, em que um princípio será aplicado em detrimento de outro sem que este se torne inválido. Esse exercício de ponderação é feito exclusivamente à luz do caso concreto, razão pela qual se reforça a fundamental importância que o Poder Judiciário tem na concretização dos valores abarcados na Constituição Federal.

2.3.1 A ponderação de interesses

Ao tratar da ponderação é preciso esclarecer que ela não é um método matemático de aplicação de princípios e nem mesmo se resume a uma escolha casuística do aplicador do direito. A ponderação de interesses é uma técnica desenvolvida pela doutrina, que é dotada de parâmetros que devem ser estritamente observados, sob pena de a atividade jurisdicional descambar para o mal-fadado ativismo judicial, que redunda numa ditadura de juízes.
Tal técnica se mostra, hoje, essencial para a resolução de conflitos de interesses, em especial para a realidade brasileira, cujo sistema jurídico está ancorado numa Constituição extensa, que normatizou uma vasta gama de bens e interesses jurídicos, refletindo o cenário político ao tempo da instalação da Assembléia Constituinte.
Assim, devido a esse pluralismo de idéias sociais que se encontram contidos no Texto Constitucional, é inevitável os conflitos entre os inúmeros princípios constitucionais, que, numa dada situação, podem trazer valores apostos.
É por causa dessa situação que surge a necessidade de se ponderar os diversos interesses, exercício que, no dizer de Daniel Sarmento (2002, p. 99), deve almejar a “maior objetividade e racionalidade possíveis”.
O exercício de ponderação é feito por fases. Ensina Humberto Ávila que a fase inaugural do procedimento é a preparação da ponderação (2004, p. 95), voltada para a identificação do problema, ou seja, o intérprete avaliará os elementos do caso em análise para saber se há conflito entre princípios e, em havendo, o que será objeto da ponderação.
É nessa primeira fase que o operador do direito irá delimitar o espaço de atuação de cada princípio – análise de seus limites imanentes, que não podem ser restringidos – verificando a sobreposição de alcance dos direitos conflitantes. A ponderação, portanto, versará sobre essa sobreposição.
Delimitado o alcance de cada princípio e reconhecido o conflito passamos à segunda fase, em que deve o intérprete analisar cada princípio em consonância com o Texto Constitucional, buscando extrair o peso genérico de cada um deles. Isso deve ocorrer porque, embora a Constituição Federal não tenha estipulado hierarquia entre as suas normas, a depender do caso concreto determinado princípio traz um valor que deve prevalecer sobre outro (SARMENTO, 2004, p. 103).
Encontrado o peso genérico de cada princípio o intérprete, prosseguindo na luta da ponderação, deve determinar o seu peso específico. Com isso, extrai-se da norma o seu valor, o que possibilita reconhecer com que força um princípio irá restringir o outro (SARMENTO, 2004, p. 104).
Há, por fim, a terceira etapa, denominada “reconstrução da ponderação” (ÁVILA, 2004, p. 96.). Essa fase é voltada a concretizar a ponderação com base em juízo de moderação, que funciona como um permissivo para que os princípios colidentes possam coexistir. Dessa maneira, a restrição da força de um princípio deve ser a menor possível.
Referido juízo de moderação é feito à luz do princípio da proporcionalidade, que congrega três juízos: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
Nesse passo, a ponderação será necessária se não houver outra maneira, menos gravosa, de se resolver o caso. Diz-se adequada se a ponderação constituir-se em meio hábil para se obter a resolução do caso. A ponderação será proporcional se trouxer um benefício maior frente à restrição sofrida por determinado princípio.
Sem a satisfação desses juízos a ponderação de interesses não será meio útil para solucionar o conflito entre princípios. O cumprimento desses juízos é de fundamental importância porque impedem o ativismo judicial e o excesso na atividade jurisdicional, fatores que garantem a integridade da Constituição.

2.4 A constitucionalização do Direito

Ao tratarmos do pós-positivismo dissemos que ele deu nova configuração aos sistemas jurídicos de natureza democrática e, assim o fez trazendo para o centro do ordenamento jurídico o Texto Constitucional, que deixou de ser visto como norma organizadora do Estado e mera fonte de preceitos de conteúdo programático.
Essa nova visão permitiu o desenvolvimento do efeito irradiante da Constituição, em razão do qual as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas à luz das disposições constitucionais. Nesse sentido asseveram J.J Gomes Canotilho e Vital Moreira (1991, p. 45): “A principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo.”
Tal efeito representa a ampliação dos espaços de constitucionalização. Dessa maneira há que se interpretar, por exemplo, o Código Civil sob a óptica de preceitos como dignidade da pessoa humana, função social da propriedade e dos contratos.
 E o mesmo se aplica a todos os ramos do Direito, o que significa, em ultima ratio, que o sentido da divisão do Direito entre público e privado sofre severas restrições.
As disposições constitucionais, com isso, ganham efetividade. Despem-se do caráter meramente formal e passam a ter força normativa vinculante, seja em que relação for. Nada obstaculizará a sua incidência.
Para arrematar o raciocínio trazemos a lição de Luís Roberto Barroso (2007, p. 20-21): “Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Este fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional. À luz de tais premissas, toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação do direito envolve a aplicação direta ou indireta da Lei Maior.”

2.5 Ampliação da jurisdição constitucional

Deve-se entender por jurisdição constitucional a interpretação e aplicação do Texto Constitucional em qualquer questão que demande um provimento judicial.
No Brasil, atualmente, esta forma de dizer o Direito está em franco crescimento e alguns fatores concorrem para tanto.
O principal contribuinte dessa ampliação é a nova maneira de se interpretar o Direito, afinal, se ele é visto à luz das disposições constitucionais, por óbvio, os decisórios versarão sobre matéria constitucional, o que pode se dar de muitas formas, seja na implementação de direitos ou no exercício do controle de constitucionalidade, seja difuso ou concentrado.
Outra influência é decorrente da própria Constituição Federal, que diretamente prescreveu inúmeros direitos. Isso permite que o particular busque o Poder Judiciário para fazer valer tais direitos, ainda que não exista norma infraconstitucional, afinal as disposições constitucionais têm força normativa.
Referida busca por concretização de direitos tende a aumentar significativamente ao longo dos próximos anos, porque com a crescente melhoria nas condições de educação e informação o povo brasileiro, cada vez mais cioso de seus direitos, irá bater nas portas do Judiciário, para em nome da Constituição, exigir a efetivação dos seus direitos.
Nesse ponto cabe uma importante advertência: não se pode confundir a ampliação da jurisdição constitucional com judicialização da política. Embora esse tema mereça um trabalho próprio é preciso tecer algumas considerações.
Judicialização da política é o fenômeno da implementação, pelo Poder Judiciário, de políticas sociais, que por sua natureza são da competência do Poder Legislativo.
Ao Poder Judiciário é dado concretizar direitos, já previstos, mas ainda não regulamentados, mas jamais pode inovar no ordenamento jurídico.
É preciso ter isso em mente para que não se crie inconstitucionalidades, como ocorrido em alguns casos decididos pelo Supremo Tribunal Federal.