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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Os fins do Direito (1) 5

Estes sonhos realizaram-se intensamente. A partir de 1914, a partir da primeira guerra mundial e em razão de suas dramáticas conseqüências, experimentamos permanentemente a felicidade de viver perigosamente. Talvez seja nossa época ou nossa avançada idade que nos permitam hoje melhor compreender as frívolas palavras de Montesquieu: heureux le peuple dont l’histoire est ennuyeuse (feliz o povo cuja história é monótona); mas não é necessário ser profeta para predizer que a ânsia pela segurança, em especial pela segurança jurídica, será, no futuro, cada vez mais perceptível e mais fervorosa.
O crescente valor que se começa a atribuir novamente à segurança jurídica revela o reconhecimento de que ela é exigência essencial até para as ideologias jurídicas orientadas exclusivamente pelo bem comum; tem sido invocada, mesmo nos Estados autoritários, como fundamento da organização comunitária. A lei é a vontade do poderoso; sua infração equivale, portanto, a uma violação ao dever de fidelidade à autoridade; por isso é considerada ilícita e contrária à segurança jurídica. Esta fundamentação da segurança jurídica na obediência à autoridade estatal está intimamente ligada à orientação exclusiva do Direito ao bem comum: as ordens da autoridade servem para que os cidadãos colaborem na realização do bem comum e evitem os conflitos entre si. Esta construção conceitual de segurança jurídica a partir da idéia de autoridade e de bem comum é incompatível, no entanto, com certos fenômenos jurídicos que não podem ser ignorados. Fosse o Direito apenas um comando da autoridade, não seria possível explicar a sujeição da própria autoridade ao Direito nem, portanto, o Estado de Direito e os direitos subjetivos públicos. Tais conceitos devem ser explicados, do ponto de vista formal, pelo conteúdo positivo da idéia de segurança jurídica e, do ponto de vista material, pelo conteúdo individualista da idéia de justiça. Também a independência dos juízes seria incompreensível se o Direito fosse apenas ordem do chefe a serviço do bem comum, se não ostentasse sua legitimidade, independente da mera idéia de finalidade e obediência às determinações. A independência do juiz não é senão a liberdade da ciência aplicada à ciência jurídica prática.
A idéia de Direito não é, no entanto, pura idéia finalística a serviço do bem comum – pois, neste caso, não se distinguiria da Política e da Administração. Orienta-se, ao contrário, pelos princípios de legalidade e de justiça; interpreta as determinações legais a partir da segurança jurídica, sob o ponto de vista da justiça, ou seja, da igualdade. Mas não é necessário destacar a importância do papel que, nesta matéria, desempenha a idéia de finalidade. Extraordinário foi o serviço prestado pelas novas teorias jurídicas ao enfatizá-lo. Ao contrário, o que se faz necessário reforçar agora é que a idéia de finalidade deve ser aplicada nos limites da legalidade e da justiça. Da mesma forma que o Estado de Direito, os direitos subjetivos públicos, a autonomia do judiciário e da ciência do Direito, o conceito de Direito orienta-se pela idéia de justiça e de segurança jurídica. Enquanto a idéia de justiça qualifica a essência do Direito como solução de conflitos com base em normas gerais, a segurança jurídica agrega-lhe o subseqüente caráter de positividade. Huizinga, em seu belo livro Nas sombrasmatinais (13), escreve que da necessidade de segurança decorre tudo o que denominamos Direito; podemos recolher sua frase, mas sob outra forma: da necessidade de segurança decorre tudo o que denominamos Direito positivo.
As idéias de justiça e segurança jurídica, elementos individualistas do Direito, não se encontram totalmente vinculadas ao pensamento supra-individualista de bem comum, mas sua vinculação é pelo menos tão estreita quanto o conceito de Estado de Direito, de direito subjetivo público, de independência dos tribunais, de autonomia da ciência jurídica e, finalmente, do próprio conceito de Direito. Nem as autoridades estatais querem abandonar estes valores, afirma novamente, com ênfase, Del Vecchio: La sovranità della legge e l’eguaglianza dei cittadini dinanzi ad essa rimangono i cardini dello stato fascista, il quale è perciò, e vuol essere, Stato di diritto (a soberania da lei e a igualdade do cidadãos diante dela continuam sendo os pontos cardeais do Estado fascista que, graças a isso, pretende ser um Estado de Direito). Também e acima de tudo, a liberdade pertence à sua essência. É mais fácil compreender hoje do que no passado que a vida de uma nação e de um indivíduo se interpenetram. (14)

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