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terça-feira, 18 de setembro de 2012

O conceito de neoconstitucionalismo


1- Neoconstitucionalismo

De forma bastante singela, podemos conceituar o neoconstitucionalismo como uma nova forma de se interpretar o Direito a partir da valorização dos direitos humanos, cuja expressão máxima são os direitos fundamentais constantes nas Cartas Políticas de cunho democrático.
Ocorre que para entendermos em profundidade e amplitude esse conceito é preciso perseguir as origens do movimento neoconstitucional. Por isso é imperioso analisar o positivismo, que nos planos filosófico e histórico é o antecedente do neoconstitucionalismo, também conhecido como pós-positivismo.
Quanto ao seu marco histórico, ensina Luís Roberto Barroso (2007, p. 2) que o novo direito constitucional foi o constitucionalismo do segundo pós-guerra. Após esse período ficou demonstrado o fracasso do Positivismo, cuja principal característica era o caráter avalorativo na interpretação constitucional, o que permitiu o surgimento de concepções jurídicas despreocupadas com os direitos humanos.
Como sabemos, a teoria positivista foi marcante no período compreendido entre as revoluções liberais burguesas até o fim da Segunda Guerra Mundial. Sua tônica era o estabelecimento da segurança jurídica pelo cumprimento dos estritos ditames da lei, que se confundia com a noção de Direito, não se permitindo reflexões quanto a este. Isso redundou, por exemplo, na barbárie promovida pelo sistema nacional-socialista alemão, que amparado pela lei exterminou seis milhões de judeus.
Analisando o processo de desenvolvimento do Estado, o positivismo, embora hoje superado, teve importância fundamental, porque foi a expressão filosófica do Estado de Direito, que encerrou o período absolutista que vigorou na Europa até a Revolução Francesa.
Assim, temos que se o positivismo foi superado pelo neoconstitucionalismo, o Estado de Direito foi superado pelo Estado Democrático de Direito. Tais concepções são partes de um único processo, razão pela qual é necessário analisá-los.


1.1 O positivismo jurídico e o Estado de Direito

Já tivemos oportunidade de dizer que o Positivismo foi o substrato do Estado de Direito, que é instaurado a partir de um constitucionalismo embasado numa ordem hierárquica, ficando a Constituição no topo da pirâmide normativa. Seu único papel, nesse contexto, era o de organizar as estruturas e poderes do Estado, nas exatas linhas do pensamento de Montesquieu.
A Constituição, portanto, nesse sistema não tem grande importância, porque a lei é que ocupa o lugar de primazia, visto que os direitos e deveres decorrem dela a partir do processo legislativo, cabendo ao Executivo e ao Judiciário aplicá-la sem detença, pouco importando os seus efeitos.
É por causa desse efeito que J.J. Gomes Canotilho (1999, 95-96), fazendo referência às lições de Raymond Carré de Malberg, entende que, nesse sistema, não há supremacia constitucional, porque neutralizada pela lei, que não comportava inquirições de valor, razão pela qual ao Poder Judiciário tocava, unicamente, saber se a lei havia passado pelo procedimento legiferante prescrito no Texto Fundante. Sendo legítima do ponto de vista constitucional, a sentença era mera aplicação automática da lei.
Estudando esse fenômeno, Ronald Dworkin (2002, p. 41) diz que o sistema positivista é formado unicamente por regras, que respeitam o processo de aplicação binário do tudo ou nada. Ou seja, ou a norma é válida ou inválida ou aplicável ou não ao caso concreto.
O sistema binário, portanto, limita a hermenêutica a critérios gerais de subsunção da lei ao caso concreto. Essa situação representa a tônica do pensamento liberal clássico, em que as normas, sejam legais ou constitucionais, buscavam regular a mínima intervenção nas liberdades individuais. Daí dizer que o Estado, nesse período, era absenteísta.
Isso explica, portanto, os paradigmas positivistas da avaloração do Direito e da preeminência da lei. Explicando isso temos o entendimento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2003, p. 232): “Nos regimes constitucionais, com base na Constituição, são elaboradas leis, que, no quadro geral da legislação como fonte, são de especial importância. As próprias Constituições costumam garantir-lhes uma proeminência na forma de um princípio: ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”
Assim, a interpretação jurídica no sistema positivista, é objetiva e axiologicamente neutra, compreendendo apenas juízos de validade e não juízos de valor (BOBBIO, 1995, p. 135). O seu processo é puramente mecânico, razão pela qual a interpretação tanto da lei quanto da Constituição são feitas de forma igual, isto é, limitadas aos cânones da interpretação jurídica tradicional (BARRBOSO; BARCELLOS, 2006, p.331).
Não distinguindo a lei da norma constitucional, que por natureza deve ater-se aos direitos humanos, o positivismo, em nome da lei, acaba subjugando o homem. Exemplo típico disso ocorreu na Europa com o nazi-facismo e na África do Sul, em que a segregação racial era válida, porquanto expressa em lei. Esse é o efeito do culto formal da lei, que despreza o seu caráter axiológico.
Nessa contextura é pertinente a crítica de Luigi Ferrajoli (2002, p. 178-179), que vê na distinção entre Direito e Moral propiciada pelo positivismo, a forma apta para justificar o poder ilimitado do Estado.


1.2 O pós-positivismo

Com as noções exaradas no tópico antecedente pode-se dizer que o positivismo fracassou porque só conseguiu limitar, formalmente, o poder do Estado. Em essência o poder estatal continuou avassalador com uma única diferença. No absolutismo o exercício do poder se dava pela simples vontade do soberano. Já no Estado de Direito o poder era exercido pela lei, pouco importando se ela violava ou não os valores humanos mais caros, afinal, pela idéia positivista clássica não há limites para a lei.
Esse fracasso só foi reconhecido após o holocausto. Findo o período fatídico da Segunda Guerra Mundial, o pensamento jurídico passou a se preocupar com uma situação: a limitação do poder estatal pela efetivação dos direitos humanos ou fundamentais.
É bem verdade que as Constituições anteriores à Segunda Guerra Mundial já prescreviam direitos fundamentais e normas de cunho econômico e social.. Ocorre que dada a marca do positivismo, que tinha como padrão os ditames legais, tais direitos eram considerados meros programas, enquanto não houvesse lei que o instrumentalizassem (BONAVIDES, 2006, p. 263).
Nesse contexto é que surge o neoconstitucionalismo ou pós-positivismo, cujo ideário se contrapõe ao positivismo, na medida em que busca efetivar os direitos humanos, como forma de evitar a barbárie vista no período anterior.
Eis que surge, portanto, na segunda metade do século XX constituições preocupadas com a efetivação dos direitos fundamentais. Nesse passo, temos a Constituição Italiana de 1947 e a Lei Fundamental de Bonn de 1949, que instituíram cortes de justiça ocupadas com as questões constitucionais, isto é, com os direitos fundamentais dos indivíduos.
Conforme explica Luís Roberto Barroso (2007), em virtude dos trabalhos dessas cortes, em especial da alemã, é que se iniciou a produção doutrinária e jurisprudencial que passou a considerar a Constituição como instrumento prescritor e concretizador de direitos. O texto constitucional deixou de ser visto como simples prescritor de programas sem eficácia e, por conseqüência, a lei perdeu a sua essencialidade, o que vale dizer: para se reconhecer um direito não é necessária a existência de uma lei.
Em suma, essa é a tônica do pós-positivismo ou neoconstitucionalismo. Esse movimento reestrutura o sistema jurídico, ficando a constituição em seu centro, irradiando a todos os ramos as suas prescrições. No sistema neoconstitucional os direitos fundamentais ganham relevância tal que seu reconhecimento prescinde de normatização infraconstitucional.
É por esse motivo que nessa sistemática o Poder Legislativo perde espaço para o Poder Judiciário, ficando sob sua responsabilidade a concretização dos direitos fundamentais/humanos.
Em uma concepção mais ampla podemos concluir que com o pós-positivismo há a instauração do Estado Democrático de Direito, cuja preocupação é com efetivação do princípio democrático, que tem como principal concepção o respeito às minorias. Assim, sob essa óptica, não mais é possível ocorrerem, ainda que com lei autorizadora, as barbáries havidas sob a égide do Estado de Direito, afinal o poder se torna legítimo por todos os ângulos (BRITTO, 2003, p. 185).
É preciso comentar que esse novo sistema trouxe, também, modificações em termos hermenêuticos. Explicando tal fato destacamos o entendimento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, que compara o Estado Liberal, que, regido pelo do princípio da estrita legalidade, não dá margem para interpretações amplas, com o Estado Social, que exige maior esforço interpretativo para a realização constitucional (1990, p. 12-13).
Dada essa característica fica permitido ao juiz efetivar os direitos garantidos no texto constitucional, ainda que contra a vontade da lei, afinal a Constituição é de hierarquia superior.
Por tudo quanto foi visto, Paolo Comanducci entende ser o movimento neoconstitucional uma teoria, uma ideologia e um método. Nesse passo, vê-se que o neoconstitucionalismo é uma teoria, porque, contrapondo-se ao positivismo, estabelece as bases de um novo Direito, fincado em valores universais. O Direito perde o caráter avalorativo, próprio dos tempos positivistas, para ser eminentemente axiológico.
Nesse sentido preleciona Antonio Manuel Peña Freire (2003, p. 25): “El (neo)constitucionalismo teórico o como teoría del derecho, pretende describir los cambios que la constitucionalización ha supuesto para los conceptos básicos de la teoría del derecho, es decir, cambios en el concepto de derecho, de norma, de jerarquía normativa, de interpretación, etc.”
Trata-se de uma ideologia porque a principal preocupação do movimento neoconstitucional é a garantia, a promoção e a preservação dos direitos humanos, sendo a limitação do poder mera conseqüência lógica. Exatamente o oposto do positivismo.
Por fim, o neoconstitucionalismo é método, posto que aproxima a Moral do Direito. Tal aproximação é exercida pelos princípios constitucionais, especialmente os que versam sobre direitos fundamentais. Assim, a interpretação nessa nova metodologia faz extensa investigação valorativa dos elementos fáticos, jurídicos e sociais.
É o que diz Comanducci (2003, p. 101): “El neoconstitucionalismo metodológico sostiene por el contrario – al menos respecto a situaciones de derecho constitucionalizado, donde los princípios constitucionales y los derechos fundamentales constituirían un puente entre derecho y moral – la tesis de la conexión necesaria, identificativa y/o justificativa, entre derecho y moral.”
Em resumo, o neoconstitucionalismo ou pós-positivismo é uma nova forma de se interpretar o Direito, que aproximado da Moral, passa a contemplar juízos de valor com a finalidade de preservar, garantir e promover os direitos fundamentais, que por estarem prescritos em regras ou princípios constitucionais faz com que o Direito Constitucional se aloque no centro do sistema jurídico irradiando sua forma normativa.

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