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Permito-me oferecer outro exemplo histórico. A liberdade, em qualquer sentido, era uma necessidade e uma reivindicação da burguesia ascendente, formulada como exigência jurídica fundada no Direito Natural. Por isso a burguesia não podia exigi-la exclusivamente para si, precisava fazê-lo de forma geral, ou seja, para todos. Mas esta liberdade como direito, exigida e conquistada sob forma geral, trouxe também em seu seio a liberdade de associação para a ativa classe dos trabalhadores, transformando-se em instrumento de luta exatamente contra a classe cujo interesse pela liberdade se transformara em direito. Em virtude da forma jurídica que normalmente passam a adotar as reivindicações políticas, os poderosos, em geral, só podem impor encargos sobre seus dominados quando os assumem também; da mesma forma, só podem reivindicar vantagens quando estão dispostos a assegurá-las também a seus subordinados. Na verdade, essa generalização pode continuar sendo mera aparência, pois (nas palavras irônicas de Anatole France), a lei,em sua majestosa igualdade, proíbe ricos e pobres de mendigar nas ruas, dormirembaixo de pontes e roubar pão – mas pode também adquirir significado muito real, como na hipótese da liberdade de associação. Por isso o Direito de Classe, pelo fato de ser Direito, ou seja, por ter assumido a forma da generalidade e da igualdade, pode constituir-se em algo valioso, ao menos em certa medida, também para os oprimidos, as minorias, os fracos e os excluídos.
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Semelhante é o resultado da discussão sobre segurança jurídica, aqui exposta. Em primeiro lugar, é necessário determinar o conceito de segurança jurídica, que pode ser entendido de três maneiras (7):
1 - Como segurança por meio do Direito: segurança contra o homicídio, contra o roubo e o furto, segurança no trânsito etc. Segurança jurídica, neste sentido, é elemento do bem comum, nada tendo a ver, portanto, com nosso tema, embora, naturalmente, seja ela afim ao que entendemos por segurança jurídica, pois pressupõe que haja segurança no próprio Direito.
2 - A segurança do Direito exige o firme conhecimento da norma jurídica, a prova cabal dos fatos dos quais sua aplicação depende e a correta execução do que foi promulgado como Direito. Trata-se da certeza do Direito vigente em determinado momento, não de sua validade. Certeza que seria ilusória se, por qualquer motivo, a qualquer tempo, pudesse o legislador eliminá-la. Por isso, a certeza de determinado Direito vigente precisa ser completada, ao menos em certa medida, pela
3 -segurança do Direito contra modificações, através de limitações previstas no sistema legislativo – como a divisão dos Poderes e as dificuldades impostas às alterações constitucionais –. Mas segurança jurídica, neste terceiro significado, normalmente, não diz respeito ao Direito objetivo e sim ao subjetivo: é a proteção ao direito adquirido. Este princípio, conservador e, em determinadas circunstâncias, reacionário, não tem relação com nossa matéria. Precisamos, no entanto, abordá-lo porque, sem ele, a segurança do Direito em vigor, em si mesma, seria uma ilusão; é necessária a segurança contra modificações arbitrárias, a qualquer momento, ou, como já afirmamos, é necessária uma certa dose de segurança contra alterações do Direito.